Conhece-te a ti mesmo

28 de jan. de 2013

2013 - O ANO A FRENTE

O ano de 2013 é o segundo de cinco anos em que temos uma série tumultuosa e um pouco assustadora de sete quadraturas de Urano e Plutão.

Plutão representa os plutocratas, governos e outros poderes principais tais como a economia e aqueles que a controlam, principalmente se o controle é feito em segredo.

Urano simboliza a liberdade, a justiça social e os direitos do indivíduo.

Quadratura de Urano e Plutão (Exata1), em 20 de Maio de 2013.

O conflito de Urano e Plutão simboliza a tensão entre a liberdade crítica e a liberdade individual, por um lado, e poder e tirania por outro. Em uma escala global o poder dos governos, bancos e os credores que controlam os recursos do mundo levam a um estado de nervos e impasse contra os direitos do indivíduo. Nós todos podemos apreciar os fatos óbvios por trás de Das Kapital de Marx. Aquele que controla o dinheiro e os recursos controla as pessoas, na verdade, ele controla tudo muito bonito no plano material. Os senhores do dinheiro são os senhores desta terra. Enquanto isso continua a ser um fato, então a guerra, a fome, a pobreza e a tirania vão continuar até que a intervenção de algum desastre natural ou artificial envia-nos a todos para o reino.

Duas das sete quadraturas ocorrerá durante 2013. A primeira é em 20 de maio e a segunda é em 1 de novembro. Os meses antes e após essas datas são períodos muito tensos com a possibilidade de eventos explosivos que ocorrem onde as quadraturas são exatas. Abril será dramático, especialmente onde a economia está em causa, um dos poderes que domina o mundo. Bancos podem falhar (de novo!) de forma catastrófica.

Saturno, o planeta da compreensão e sabedoria adquirida através de tentativa e experiência, mudou-se para Escorpião no ano passado, e lá ele vai ficar pelos próximos dois anos e meio. O signo de Escorpião está preocupado com a tributação, dívida, recursos compartilhados ou dinheiro de outras pessoas, investimentos, heranças e legados. Escorpião, como o signo na natural da casa 8, também está preocupado com sexo, morte e transformação. No sentido mágico e alquímico, estes três últimos são conceitos inseparáveis.

Dívida é uma palavra de seis letras que tem considerável importância na situação em que nos encontramos no início do século 21. Os credores internacionais e banqueiros do mundo dependem de dívida para fazer grandes lucros. No entanto, agora estamos sendo informados de que não podemos emprestar – apesar de emprestar e tomar emprestado manter o sistema Capitalista de dinheiro e a economia global. Enquanto o comércio e os investimentos do mundo dependem de duas emoções humanas, ganância e medo, então as conseqüências sempre envolverão dor e sofrimento. Conforme as civilizações industriais expandiram-se, assim tem sido a extensão da dor e do sofrimento. Dependendo da tecnologia e da ciência para o crescimento econômico contínuo não fez diferença para esta equação.

No nível espiritual, em todo caso o que é a dívida? Há uma palavra, “Redenção”, a redenção do pecado. Isso não se aplica apenas ao cristianismo, o budismo tem o conceito de “Mérito”, na verdade todas as religiões do mundo têm alguma noção de pecado e redenção do pecado. “Redentor” implica um comércio, troca ou intercâmbio. O conceito implica, automaticamente, um resgate pago, uma espécie de salvação através de velhacaria, na verdade, toda a idéia de pecado e redenção repousa sobre uma complexa psicopatologia que tem pouca influência sobre o conhecimento espiritual ou sabedoria.


Áries
Embora Júpiter tenha estado
em retorno de sua casa 3 solar este tem sido um bom momento para colocar alguns pensamentos profundos em planejamento e estratégia. Qualquer novo plano ou proposta, especialmente quando isto envolve como você trabalha e se comunica com outras pessoas, deve estar pronto para lançamento até o final de Janeiro, quando Júpiter vai transitar. Pelo final de Junho uma mudança afortunada de circunstâncias vai se tornar aparente. A quadratura entre Urano e Plutão este ano indica que um confronto com autoridade será encontrada ao longo do caminho.

Touro
Touro gosta de trabalhar duro para adquirir conhecimento e sabedoria, muitas vezes passando por cima do mesmo terreno repetidamente até que a informação seja incorporada. Este ano a quadratura de Urano e Plutão sugere que sua atitude em relação à aprendizagem passará por transformação e mudança. Não como um resultado de pressão externa – a menos que aconteça de você trabalhar em uma universidade ou instituição de ensino – , mas como um impulso irresistível emergente de dentro de si mesmo. Não é o que você aprende, mas como você aprende que terá de mudar.

Gêmeos
Júpiter tem estado retrógrado em seu signo por algum tempo. Isso não é de todo ruim para Gêmeos, como você sempre tem muitas idéias e muitos projetos que você possa dar sequência. O gigante, retrógrado em seu signo, significa que você já teve a oportunidade de concluir alguns dos fascinantes projetos que ficaram por fazer. Júpiter vai entrar Direto em 31 de Janeiro, assim que você tem, até então, para encerrar os negócios inacabados. Até o final de Junho você vai estar entrando em uma fase mais feliz desde que dinheiro e recursos estejam em causa. Amizade é importante para Gêmeos; esta é uma área que será influenciada por um espírito de mudança revolucionária este ano.

Câncer
No signo do Caranguejo a Lua é o regente e Júpiter está exaltado. Um dos pontos significativos de retorno para você este ano é quando Júpiter entra em seu signo uma semana após o solstício de Junho. Isto é geralmente muito afortunado, mas como a sorte pode depender em alguma medida com a maneira como você lida com a situação de emergência Urano-Plutão, que causarão – metaforicamente falando – tremores de terra em Abril e um terremoto em meados ou no final de Maio. A quadratura daqueles titãs é, em grande parte, uma questão impessoal, mas você pode muito bem encontrar-se em um papel ou situação de trabalho que anteriormente você teria considerado muito improvável.

Leão
De acordo com o sistema astrológico de Aleister Crowley, Urano rege todos os signos fixos do zodíaco, e tem uma afinidade especial com Leão. Parece que Urano é susceptível de jogar como herói este ano, ao lado da liberdade individual contra Plutão e as más maquinações de governos e financistas internacionais. Parece haver poucas dúvidas de que Leão, o verdadeiro Sol que é o doador da vida e luz para todos nós, será fortemente motivado a tomar o lado da independência e da liberdade contra os opressores, os tiranos e senhores, quando e onde encontrá-los.

Virgem
Saturno entrou na Terceira casa do seu horóscopo solar no ano passado, e permanecerá lá pelos próximos dois anos e meio. A casa 3 diz respeito à comunicação e a aprendizagem, falada e escrita. É uma área de formação, como aprendemos a fazer essas coisas mesmo muito jovens. Para começar, Saturno aparece para colocar limitações sobre o eu o que pode ser frustrante. A sabedoria vem através aceitação das leis que governam o universo material. A regra de Saturno é aprofundar conhecimentos, trabalhando duro para aperfeiçoar habilidades e competências. As leis do universo são imutáveis; auto-limitação é transcendida através do entendimento de como elas funcionam.

Libra
Para os librianos que amam o conhecimento e a aprendizagem o ano deveria ter um bom começo. Ainda que Júpiter esteja retrógrado, a busca do conhecimento espiritual é o principal. No final de Janeiro, Júpiter
entra Direto e é então que você colherá os frutos do seu trabalho e preparação. Em meados de Maio, você terá entrado em uma fase realmente absorvente da vida; você estará completamente engajado e interessado ​​em tudo o que está acontecendo. Os primeiros sinais de uma mudança permanente na sua vida doméstica serão vistos então – uma área que permanece turbulenta por algum tempo ainda.

Escorpião
Saturno está em seu signo pelos próximos dois anos; este é um tempo de muita introspecção; você irá se preocupar com questões fundamentais sobre a sua existência, quem você é e para onde está indo. Esta será uma característica muito forte em meados de Fevereiro até Julho deste ano. Na outra extremidade deste ano, em 3 de Novembro, há um Eclipse Total do Sol a 12 graus de Escorpião. De acordo com a maneira como você tiver reavaliado seu destino e propósito, o eclipse revelará uma alma que tem crescido mais em sabedoria.

Sagitário
Sagitário é conhecido por ser uma alma corajosa, aventureira, não particularmente notado pelo tato ou diplomacia. Enquanto Júpiter estiver retrógrado este pode ser um momento difícil para casamento, parcerias e todas as empresas conjuntas – que parecem ter dois pés esquerdos, em quase todas as situações que surgem. Esta fase desconfortável chega ao fim em Fevereiro, quando Júpiter entra Direto, e a sua confiança retorna. Apesar da sombria face do governo se dirigir para austeridade, parece que você não terá nada disso este ano, e irá de fato ser indulgente com algumas empresas de risco. Possa seu arco ser seguro e suas flechas encontrarem os alvos.

Capricórnio
Dentro de dois anos a sua perspectiva sobre amizade e lealdade vai ser alterada de forma irreversível, e você terá crescido em sabedoria ao longo do caminho. Entre meados de Fevereiro e 09 de junho você pode envolver-se com uma luta desesperada para revisitar antigos lugares, buscar velhos conhecidos. Se isso o ajuda a escolher quem são seus verdadeiros amigos, então que assim seja. A quadratura de Urano e Plutão este ano indica que você terá de ter uma reflexão radical sobre como fazer funcionar sua casa e os assuntos domésticos em geral.

Aquário
Saturno, seu planeta regente, está seguindo agora através de Escorpião pelos próximos dois anos. A casa 10 solar é referente a todas as questões de sua vida pública, sua carreira ou vocação. Até 09 de julho não é hora de assumir um novo empreendimento a menos que seja uma empresa que você está revisitando ou retornando. A quadratura de Urano e Plutão este ano indica reviravolta psicológica. Confrontando medos e inibições acabará por permitir uma auto-expressão mais bem-sucedida.

Peixes
Júpiter finalmente vai entrar Direto em Gêmeos em 31 de janeiro, indicando que uma situação de estagnação em casa pode, pelo menos se mover. Contudo, Júpiter tem um monte de recuperação a fazer, por isso pode não parecer que qualquer avanço ocorreu até o final de junho, quando Júpiter entra em Câncer – um signo de água, que é muito mais confortável para os piscianos. A quadratura de Urano e Plutão deste ano indica uma mudança na forma como você administra seu tempo e recursos pessoais, especialmente dinheiro; você pode mudar o seu trabalho ou ocupação, voluntariamente ou por necessidade.

 

Nota
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1 A época de maior intensidade ou exatidão do aspecto é assinalada por “Exact” em Inglês.
Texto de Oliver St. John originalmente publicado em Hermetic Light

Tradução de Lilia Palmeira© - 2013

Revisão de Claudio Carvalho



© Oliver St. John - 2013

Instruído na Arte Hermética através de um curso experimental de cinco anos escrito por W.E. Butler, Iniciado da Fraternity of the Inner Light (Fraternidade da Luz Interior) da ocultista Dion Fortune. Na sua conclusão, aceitou a Lei de Thelema, a corrente mágica que foi descoberta através da mediunidade de Aleister e Rose Crowley. Fundou a Ordo Astri (Ordem da Estrela) faculdade Hermética em 2000 e.v., e juntou-se à Ordem Tifoniana de Kenneth Grant (anteriormente O.T.O. Tifoniana) no mesmo ano. Também trabalhou com a falecida Mary Long (autora e estudante de Dion Fortune), Gareth Knight, Dolores Ashcroft-Nowicki (co-fundadora da Servants of the Light Association – Associação dos Servos da Luz) e Lady Olivia Robertson (co-fundadora da Fellowship of Isis – Irmandade de Isis).

O SIMBOLISMO DA SERPENTE


Dentre os símbolos primordiais, a serpente é aquele que mais fortemente encerra toda uma complexidade de arquétipos. Presente em todas as culturas de qualquer época espalhadas pelos cinco continentes, sua imagem mitológica assume sempre um papel fundamental, associada que está, antes de tudo, à essência primordial da natureza, à fonte original de vida, ao princípio organizador do Caos, anterior à própria Criação.

A víbora guarda em si intrigantes paradoxos; se por um lado exprime uma ameaça, já que de seu veneno pode sobrevir a morte, por outro, resume no processo de renovação de sua pele escamosa todo o intrincado mistério da vida, que se atualiza em movimento rejuvenescente.

Diferentes cultos e cerimônias ritualísticas reverenciam este réptil sorrateiro, atribuindo-lhe as mais díspares qualidades. As serpentes podem estar associadas a cultos solares ou lunares, a sociedades matriarcais ou patriarcais, (quando assumem valores masculinos ou femininos); podem significar a luz ou as trevas; a vida ou a morte; o bem e o mal; a sabedoria ou seu oposto, a paixão cega; representar ora o falo, por seu corpo assemelhar-se ao bastão, ou mesmo simbolizar a vulva, conforme se lhe parecem as escamas que a recobrem, bem como o formato de sua goela quando esta se abre para devorar sua presa. Tanto quanto as energias yin e yang expressam no taoísmo as polaridades negativa e positiva que estão por detrás de toda manifestação da natureza, os ofídios, miticamente, ocultam em si a síntese desta dicotomia universal. 

Uma das figuras mais intrigantes do simbolismo alquímico, presente milenarmente em diversas culturas, é a da cobra (ou dragão) que morde o próprio rabo e opera, num movimento circular e contínuo, todo o processo dinâmico e transformador da vida. “Meu fim é meu começo”, diz a cobra nesse ato mágico de devorar-se e cuspir-se, a representar a unidade indiferenciada da vida, e seu caráter divino implícito na perfeição do círculo. À serpente devorando a própria cauda, os alquimistas chamaram Oroboro. Tal palavra não consta da maioria dos dicionários, e em alguns livros da Grande Obra aparece grafada como “ouroboros”, principalmente na língua inglesa; outras fontes, menos comumente, escrevem-na “uróboro”. Prefiro, particularmente, o termo oroboro , visto não ter sido nunca tão oportuno em nossa língua nomearmos um símbolo cuja singularidade é a de não ter começo nem fim, por meio de palavra tão especial, que permite ser lida de trás para a frente sem prejuízo sequer de sua pronúncia, transmitindo ela própria a idéia de algo que se expressa ciclicamente. 


Etimologicamente, o termo tem curiosa explicação: óros, em grego, significa “termo, limite”, podendo ser também “meta, regra ou definição”; borós se traduz por boca, ou por voracidade. Daí que oroboro representa aquilo que se delimita ou se atinge pela boca, também aquilo que se define por sua própria função. Órobos, em grego, ainda significa “planta”, mais especificamente a alfarroba (fruto da alfarrobeira), uma vagem de polpa doce e nutritiva indicada no tratamento das doenças inflamatórias digestivas. O dicionário Aurélio traz para órobo o significado de “cola”, palavra esta que além de se referir a outro tipo de árvore, a Cola acuminata, cuja semente produz alcalóides tônicos, também pode significar “cauda”, conforme certos regionalismos do Brasil, sendo igualmente encontrada na língua espanhola a designar o rabo dos animais. Para orobó (só muda o acento), o Aurélio reserva o sinônimo “coleira”, em nova referência à aromática árvore acima citada, cujas sementes guardam extrato lenhoso de propriedades estimulantes, semelhantes à cafeína. Coincidentemente, coleira é o nome dado ao colar que cinge o pescoço dos animais, e o oroboro lembra sua forma; além disso, nossas vísceras intestinais assemelham-se à serpente enrolada, e o aparelho digestivo como um todo, se tomado da boca ao ânus, bem desenha a serpente aprumada, prestes a dar seu bote, a devorar sua presa. 
Outra aproximação do significado implícito no oroboro encontramos entre os caldeus, que com uma mesma palavra designavam vida ou serpente. Por influência destes, os árabes também denominam de el-hayyah a cobra, e por el-hayat, a vida. El-Hay, por sua vez, um dos principais nomes divinos do islamismo, não deve ser traduzido por “o que está vivo”, mas sim por “aquele que vivifica”, sendo El-Hay o princípio primário da vida.

Dialeticamente, a cobra que morde sua cauda e não para de girar sobre si mesma, evoca a roda da vida à qual estamos presos, bem representada pelo décimo arcano do Tarô, denominada em sânscrito roda de Samsara, que se traduz por “fluir junto”. Samsara nos condena a experimentar as ilusões do mundo sem que jamais escapemos de seu giro, salvo quando rompemos o ciclo vicioso pelo despertar da serpente Kundalini, como veremos logo adiante.

Numa tentativa de resgate arcaico, cumpre lembrar que desde o paleolítico este réptil era representado por inscrições rupestres em forma de linha, assim como até hoje o fazem os pigmeus caçadores do sul da República dos Camarões. Mas como da linha só enxergamos a parte desenhada, e intuímos que ela se prolongue por suas duas extremidades ao infinito, talvez provenha daí o conceito de que a cobra que vemos (que pode nos envenenar, ser caçada, sacrificada em rituais etc) nada mais seja do que encarnação da verdadeira serpente universal, invisível, fundamento da vida e também o eixo e a base sobre os quais se escora o mundo conhecido.

A “Grande Serpente Invisível” acha-se representada em diversas culturas. Entre os egípcios ela é Ra-Atum, divindade que ao emergir das águas primordiais cuspiu, ou expeliu pela masturbação conforme outras versões, Shu (o ar) e Tefnut (a umidade), que por sua vez engendraram Geb (a Terra) e Nut (a noite). Várias são as passagens do Livro dos Mortos em que Rá-Atum se pronuncia. No capítulo VII diz estar situado no centro do oceano celeste, frisa ser seu nome um mistério e seu poder, absoluto. No capítulo XVII diz ser o deus solitário dos vastos espaços do Céu, ser deus Rá levantando-se na aurora dos tempos, também a suprema divindade que nasce de si mesma, e que seus misteriosos nomes criam as hierarquias celestes; Ra-Atum, maravilhado pela própria criação, noutra passagem adverte: “Sou aquele que não passa; (…) quando tudo retornar ao indiferenciado, então me transformarei de novo na serpente que nenhum homem conhece nem os deuses podem ver”.

Vishnu medita sobre Sesha, 
a dormente serpente cosmófora, 
aquela que  sustenta 
toda a dança do Universo
Na mitologia hindu encontramos concepção cosmogônica semelhante. O tantrismo roga que entre cada um dos ciclos de vida e morte do Universo há um período de repouso durante o qual Vishnu, o princípio conservador de Brahma, repousa sobre Ananta, a serpente da eternidade. Nesta condição atemporal, Shiva, o princípio desorganizador de Brahma, está imiscuído de modo indiferenciado em seu próprio poder, Shakti. Quando Shiva inicia sua dança, o Universo é então criado, e Shakti, operando agora como Prakriti (energia primordial incapturável e imperceptível da qual todas as formas de vida evoluem) desenvolve todo o Universo desde os tattva (mundos) mais sutis até os mais densos, até criar a mente, os sentidos e a matéria sensível sob suas cinco formas, éter, água, fogo, terra e ar. Quando Shakti penetra no último e mais grosseiro dos tattva, a “terra”, ou seja, a matéria sólida, sua missão está acabada. Shakti aí adormece sob a forma de Shesha, a serpente que sustenta o mundo, até a próxima era da nova Criação. Shesha nada mais é que um correlato da serpente cósmica Ananta, o infinito, e sua função é a de suportar o orbe e tudo o que nele se manifeste. Shesha e Ananta compõem, respectivamente, o sono divino e o divino despertar de Brahma.

Além da serpente, outros animais podem ser carregadores do mundo; há versões mitológicas em que o touro, o crocodilo, a tartaruga e o elefante exercem tal papel; mas estes são meros substitutos da serpente em sua função cósmica, haja vista que em sânscrito o termo naga designa ao mesmo tempo cobra e elefante, e nenhum indiano sensato constrói sua casa sem antes descobrir geomanticamente (pela radiestesia) em seu terreno qual o ponto relacionado ao “centro do mundo”, quando então enterra uma estaca na cabeça do naga subterrâneo, em torno do qual erigirá sua morada. 

Análoga à serpente macrocósmica Ananta-Shesha é Kundalini (cuidado, a palavra é feminina e oxítona), serpente esta que se encontra enrolada na base coccigiana, na extremidade inferior da coluna vertebral humana. Afinal, o hinduísmo considera indistintos macro e microcosmo, de modo que todas as forças universais encontram no ser humano perfeita correlação. Também o corpo físico do homem é mera manifestação do corpo sutil, dizem os hindus, e nele se distribuem os chakras, centros energéticos com funções específicas, em concordância com a ordem de emanação dos tattva, isto é, indo dos mais sutis aos mais densos em sentido descendente. Kundalini jaz dormente no último e mais 'grosseiros' dos chakras, denominado muladhara, que se traduz por “suporte”. Despertar a Kundalini é tarefa das mais arriscadas, mas ao mesmo tempo necessária à nossa transcendência. A serpente, potencialmente perigosa, obstrui com sua cabeça a entrada para o canal de Sushumna, via direta para que a mente suba aos Céus e comungue diretamente com Brahma, o deus supremo. Perturbar Kundalini em seu sono, por conseguinte, é viabilizar este contato transcendente. Quando a serpente desperta, sibila e se enrijece, permitindo nesse momento a ascensão sucessiva da libido pelos chakras imateriais situados ao longo da coluna até que se alcance o sétimo e mais sutil deles, relacionado à fontanela superior, no alto da cabeça; este recebe o nome de Sahasrara, ou chakra coronário, posto que “coroa” todos os demais. Isto porque Kundalini, uma vez acordada, não para em sua ascensão, que se faz por etapas que podem durar anos ou mesmo a vida inteira, sempre numa progressão que dissolve o tattva inferior naquele que lhe é imediatamente superior. E cada um dos degraus só pode ser galgado à custa de importante sacrifício pessoal, de modo que o homem se purifique, passo a passo, até que se dissolva na essência bramânica universal de onde se originou.

Inúmeras culturas incutem na serpente essa idéia de espiritualidade confrontada aos padrões mais grosseiros da existência, fazendo deste réptil enigmático o emblema da síntese dos opostos, da coniunctioni opositorum dos alquimistas. O dragão, exemplo de serpente alada, traz em suas asas o tom de espiritualidade inerente ao símbolo. Aliás, entre os chineses, butaneses e outros povos do oriente, nem se faz distinção entre a cobra e o dragão, suas imagens são intercambiáveis, e há oroboros em que o dragão que morde a própria cauda é branco na metade superior do círculo e negro em sua parte inferior, a reforçar a noção de complementaridade dos opostos. O dragão celeste é o pai mítico de muitas dinastias, e os imperadores chineses o traziam estampado em suas vestes e estandartes para que o povo não se esquecesse de sua origem divina.

Curiosamente, entre os astecas e outras culturas da América Central e Andina, Quetzacoatl, a serpente emplumada (uma combinação de Quetzal pássaro e serpente), é divindade solar e surge como elo entre os deuses e os homens, podendo ainda estar associada à chuva, ao vento, aos raios e trovões, bem como ao sopro de vida, ou ainda ao tempo incriado.

Serpente (colar) de Tlaloc, deus asteca da chuva

Destarte, vemos que a serpente expressa antes de tudo um desejo de hegemonia espiritual em detrimento das forças mundanas que nos iludem quanto ao sentido da existência. Preocupação semelhante encontramos na mitologia grega, no episódio em que Zeus enfrenta Tifão, filho da cólera de Hera, criado pela serpente Píton. Tifão é gigantesco dragão de cem cabeças, de cujos olhos saem labaredas de fogo infernal, com asas no lugar dos dedos, “vestido” de víboras que, presas em torno de sua cintura, alcançam seus calcanhares. Tifão afugenta todos os deuses, exceto Zeus e sua filha Atena (a razão), que resistem a seus ataques. Por fim, Zeus o fulmina com seus raios e o lança ao fundo do Etna, de onde, vez por outra, moribundo, volta a cuspir fogo. Derrotar Tifão é tarefa das mais árduas, necessária, porém, a todo aquele que, decidindo lapidar seus aspectos brutos e terríveis, deseje alcançar a maestria.

Caduceu de Hermes, 
enrodilhado pelas serpente da morte 
e do renascimento das almas
A serpente, na mitologia clássica e em outras tantas, surge ainda associada à prática da adivinhação. Prova-o deus Apolo ao subjugar a serpente Píton que jazia na caverna do santuário de Delfos, da qual derivou o nome “pitonisa”, dado às sacerdotisas de seu templo, exímias profetizas. Também os ofídios vêm atrelados ao cultivo das artes, poesia e música principalmente, mas, sobretudo, à medicina.
 
Consoante a versão mais aceita, Asclépio é filho de Apolo e Corônis, filha de Flégias, um dos reis de Tebas. Certa feita, devendo retornar a Delfos, Apolo deixa um corvo branco ao lado de sua esposa prenhe, para guardá-la. Mas Corônis, muito bela, temendo que Apolo, eternamente jovem, a abandonasse na velhice, mesmo grávida, une-se a Ísquius. Consumado o coito, o corvo, que estava encantado, torna-se preto, o que faz com que Apolo descubra o adultério. Apolo atira Ísquius ao Tártaro, nível infernal do mundo dos mortos, onde até hoje está a envenenar tudo aquilo que ele toque. Corônis é morta ao parir o menino, por uma flecha de Ártemis, irmã de Apolo. Asclépio passa então a ser amamentado por uma cabra, o que para os gregos é distinção de divindade, e é deixado pelo pai, na infância, aos cuidados do centauro Quíron. O nome “quíron” é abreviatura de cheirourgós, a designar aquele que trabalha com as mãos, de onde se deriva o termo “cirurgião”. O sábio, cujo corpo era metade humano e metade eqüino, ensina as artes nobres a seu pupilo: a música, a poesia, a guerra e a caça e, principalmente, a medicina, na qual era especialmente versado. Acidentalmente, porém, Quíron teve seu joelho ferido numa batalha por uma flecha de Heracles, um de seus pupilos, cuja ponta estava envenenada pelo sangue verde e tóxico da Hidra de Lerna. Por conta disso, Quíron, imortal por ser filho de Cronos, vê-se fadado a sofrer por toda a eternidade. Mesmo sendo médico, não tinha poderes para desfazer-se do veneno assimilado. Daí dizer-se que os médicos feridos são os que melhor sabem curar, ou os que, ao menos, por terem experimentado a dor, são aqueles que podem com sabedoria ensinar a arte médica. Pois bem, o atroz sofrimento de Quíron só se resolve quando Zeus, compadecido de sua sina, permite-lhe trocar com Prometeu sua natural condição; este lhe cede seu direito à morte e assume para si a imortalidade do nobre centauro. Quíron sobe então aos céus para brilhar numa constelação. Ele é Sagitário, aquele que tem o dom de aspirar às coisas belas, símbolo da alma zelosa, do caráter arguto e altruísta. A esta constelação, os antigos consagravam a serpente, o galo e a tartaruga. 
Asclépio  
Asclépio, cuja arte era a de saber observar, certa feita feriu uma serpente que estava prestes a dar-lhe o bote, e pôde ver que outra veio em seu socorro, trazendo em sua goela a erva que curaria a primeira. Desde então teria tomado para si completo domínio sobre as drogas e assumido a serpente como símbolo da vida. Asclépio, presume-se, viveu por volta do século XIII a.C. Seu nome já aparece na expedição dos Argonautas, quando trouxe de volta à vida alguns mortos em combate, o que atraiu contra si a ira de Hades, que o acusou diante de Zeus de estar sonegando almas ao mundo inferior. Por conta deste crime, Zeus fulmina o médico com seus raios para impedir-lhe de estabelecer um desequilíbrio no Cosmo. Asclépio seria ainda assimilado pelos romanos como Esculápio; estes o tinham em tão grande respeito que chegaram a importar a serpente de Epidauro e construir um templo ao novo deus na ilha tiberina, a fim de que pudessem conter uma epidemia que assolava Roma no ano de 293 a.C., creditada à ira de Apolo.

Em Epidauro, o culto de Asclépio ganhou força principalmente dos fins do século VI a.C. ao final do V d.C., mais de um milênio de glória. O médico, conhecido como “o bom e o simples”, hábil ao buscar nas plantas seus remédios, fundara aí sua Escola de Medicina, fundamentada na magia. De Epidauro ramificaram várias escolas, ditas Asclepíades, de medicina “científica”, a formar alunos dentre os quais Hipócrates (de Cós) é o melhor exemplo. As principais Asclepíades estabeleceram-se na ilha de Cós, em Corinto, Pérgamo e outras regiões. Epidauro era famoso por seu labirinto, no centro do qual se guardava a serpente sagrada. A víbora, um ser ctônico, habitante das entranhas da terra, detinha o dom da adivinhação e, enrolada num bastão, em alusão ao ancião Asclépio, passou a ser símbolo da medicina.

Caduceu de Asclépio, 
símbolo da Medicina
Não devemos, porém, confundir o símbolo de Asclépio com o caduceu de Hermes, sobre o qual se enrolam duas serpentes, guardiãs de nosso adormecer e despertar, representantes também de um dos atributos dessa divindade, que é o de levar a alma dos vivos ao mundo dos mortos, ou de lá voltar com as almas que renascerão em nosso mundo. A confusão toda foi feita na época da Primeira Guerra Mundial, quando tropas médicas francesas passaram a usar o caduceu de Hermes (em vez do de Asclépio), antes de ser adotado o símbolo cristão da Cruz Vermelha nos uniformes. Daí para frente, os E.U.A., a partir de meados do século XX, por meio de seus laboratórios farmacêuticos, que nada sabem de mitologia nem têm por princípio respeitar a medicina, também por meio de suas insígnias militares durante a Segunda Guerra, vieram a repetir a equivocada associação, reforçando e difundindo o erro. Cumpre dizer que nenhuma representação mitológica de Asclépio o traz com duas serpentes em torno de seu caduceu. E deus Hermes, dentre os inúmeros atributos que têm, nunca foi médico absolutamente.

De qualquer modo, o fato é que a serpente encerrará para sempre seus mitos de tantas sutilezas. Nas curvas de seu dorso deslizam sinuosos mistérios; em seu veneno oculta-se a dose curadora; em sua goela está o portal para as entranhas da Terra. Essencialmente guardado, a víbora detém o serpentino enigma da morte e da vida. 


Texto de PAULO URBAN

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