Texto retirado do Livro: A Sabedoria da Natureza – Roberto Otsu
O bambu enraíza-se bem fundo antes de
crescer fora da terra
O
bambu, quando plantado por semente, tem uma maneira tão peculiar de brotar e
crescer que chamou a atenção dos chineses, e que se tornou uma grande lição de
sabedoria. A semente, depois de colocada no solo, demora muito tempo para
apresentar sinais externos de que vai vingar. No início, a semente se
transforma num bulbo e depois de algum tempo surge um pequeno broto. Este broto
permanece inalterado sob o solo por um longo período. Somente depois que as
raízes já atingiram dezenas de metros, ao longo de cinco anos de incessante
trabalho, é que o broto começa a se projetar para fora da superfície. Aí, em
pouco tempo, o bambu cresce vertiginosamente e atinge a altura de 25 metros!
Ao
observar o comportamento do bambu, os chineses aprenderam a importância da
paciência e da determinação. Muitas vezes, queremos que as coisas aconteçam
rapidamente e ficamos impacientes diante da demora dos resultados. Se a
preocupação for mostrar resultados imediatos, corre-se o risco de sacrificar as
bases, o alicerce, e, com isso, coloca-se tudo a perder. Reconhecer o que o
momento presente exige e confiar: este é o segredo do bambu chinês. O bambu
simplesmente faz o que tem que ser feito, no momento que tem que ser feito. E
faz tudo com serenidade, segurança e coragem. Não pensa nos resultados nem
sofre por antecipação. O bambu, assim como o sábio, tem confiança plena no
processo, nos movimentos da Natureza e na perfeição do universo.
O bambu cresce reto e satisfeito com
seu espaço
Quem
assistiu aos filmes O Tigre e o Dragão, do diretor Ang Lee e Clã das Adagas
Voadoras, do diretor Zhang Yimou, deve ter reparado nos bambuzais chineses. Um
detalhe que chama atenção é que cada pé do bambu chinês se desenvolve
isoladamente e não em touceiras como se vê no Brasil. Existe um espaço de cerca
de um metro entre um bambu e outro.
O
bambu chinês é humilde, precisa de pouco espaço, não é “espaçoso”, não toma
espaço de ninguém. O bambu cresce reto, “na dele”. Para os taoístas, o espaço
do outro é sagrado porque considera sagrado o seu próprio espaço. O sábio quer
crescer com retidão, sem desvios, sem interferir na vida alheia, sem fazer
intervenções no processo natural da outra pessoa. Tanto o bambu quanto o sábio
não querem ocupar o espaço do outro, não fazem comparações, não competem, estão
satisfeitos com o que têm porque possuem uma qualidade fundamental: o senso de
suficiência. Os chineses têm uma frase sobre o suficiente que é
surpreendentemente simples e óbvia: “Quem se satisfaz com o suficiente, sempre
tem o suficiente”. Para o bambu, o espaço que ele conta para crescer é mais do
que suficiente. O sábio também não quer nada além da sua necessidade. O
filósofo italiano Sêneca disse: “Só desejarás a justa medida das riquezas:
primeiro, o necessário; segundo, o suficiente”. O bambu está satisfeito com
tudo, por isso não sofre com sua situação. O bambu é sereno, despojado, cresce
reto e satisfeito com seu espaço. É livre e feliz. O sábio que segue seu
exemplo, também.
O bambu é uma planta muito simples
O
bambu chinês tem muita personalidade: é firme sem ser rígido, elegante sem ser
chamativo, altivo sem ser arrogante. Mas ele é, acima de tudo, uma planta
simples. Quem já viu pinturas de aguadas chinesas (shie-i) ou japonesas (sumi-ê),
percebeu que o bambu é um tema frequente. As imagens que representam o bambu se
caracterizam pela simplicidade. Duas ou três pinceladas fazem o caule e um
mesmo tanto de pinceladas retratam as folhas. Estes poucos traços de pincel são
cercados por um grande espaço em branco, na folha de desenho. O resultado é de
uma beleza que impressiona. Sob o aspecto formal, a pintura chinesa retrata o
mesmo despojamento da planta, com economia de traços. O bambu é um modelo de
simplicidade e por isso, ele é tão apreciado pelos orientais”.
Simplicidade é uma qualidade estética universal. Grandes
artistas e pensadores sabem disso. A intenção deles é produzir obras cada vez
mais simples, mais limpas e despojadas. Para eles, a simplicidade é uma
conquista, uma das principais qualidades de um trabalho, e não uma deficiência.
Pintores como Picasso, especialmente na velhice, Piet Mondrian, Tikashi Fukushima, Juan Miró, Malevitch, Tomie Ohtake, escritores como Manoel de Barros, Mário Quintana, cineastas como Akira Kurosawa, dançarinos como o Kazuo Ohno, entre outros, seguiram este caminho. Eles entendiam, assim como os taoístas, que o essencial é simples. Simples como o bambu.
Pintores como Picasso, especialmente na velhice, Piet Mondrian, Tikashi Fukushima, Juan Miró, Malevitch, Tomie Ohtake, escritores como Manoel de Barros, Mário Quintana, cineastas como Akira Kurosawa, dançarinos como o Kazuo Ohno, entre outros, seguiram este caminho. Eles entendiam, assim como os taoístas, que o essencial é simples. Simples como o bambu.
O bambu tem divisões que garantem a
resistência
Se o
talo do bambu não tivesse divisões, as fibras seriam compridas, iriam sem
interrupções desde a raiz até o topo. Mas se as fibras do bambu fossem tão
compridas e sem divisões, elas esticariam demais e o caule poderia se dobrar
com qualquer vento. Os nós do bambu têm a função de dividir e de limitar o
comprimento das fibras do caule. Com isso, os antigos chineses perceberam que o
que dá resistência ao bambu são as divisões, os limites.
Transpondo
essa imagem para realidade humana, os sábios perceberam que são os limites que
garantem a integridade da vida. As limitações são necessárias para a organização
do mundo e para controlar as circunstâncias do cotidiano. Nada na vida é
inesgotável e a falta de limites, em qualquer área, leva o ser humano à
indefinição, à exaustão, e em alguns casos, até à autodestruição. O homem tem
livre-arbítrio, mas não tem possibilidades ilimitadas. Isso não é próprio à
natureza humana. Os limites auto-impostos com consciência são a base da ética e
da formação do caráter.
Quando
os chineses falam em limites, eles estão se referindo a limites corretos, a
atitudes moderadas. Num violão, se as cordas estiverem frouxas, não conseguimos
tirar nenhum som; se as cordas forem esticadas demais, elas se arrebentam.
Existe uma tensão correta para que as cordas consigam vibrar e produzir música.
Existe um limite correto para tudo.
O bambu curva-se no vendaval para não
quebrar
Talvez
essa seja uma das características mais conhecidas do bambu. Os antigos chineses
aprenderam a importância da flexibilidade ao observar como essa planta se
comporta numa ventania. Perceberam que uma árvore rígida quebra-se com um vento
muito forte. O bambu não. Ele se curva e depois que o vendaval passa, volta
intacto à posição original.
A
flexibilidade é a capacidade de se adaptar às circunstâncias da vida, significa
não ter posturas rígidas em termos físicos ou psíquicos. Uma pessoa de moral
rígida demais também pode se "quebrar" como um carvalho ao vento.
Segundo
os sábios orientais, a rigidez é sinal de morte. Uma pessoa rígida não vive,
está morta, é como o tronco de uma árvore seca. Flexibilidade é sinal de vida.
Uma planta viva é flexível, uma planta morta é rígida. Um bebê é flexível e
cheio de vida, o idoso é mais duro e sem a mesma vivacidade da criança.
Flexibilidade
também envolve o conceito de não-resistência. No sentido mais profundo,
flexibilidade significa capacidade de não resistir às coisas naturais que nos
acontecem. Por exemplo, o bambu não resiste à força do vento. É a
não-resistência que evita danos.
No
taoísmo, existe a expressão Wu-wei que se refere à não-resistência. Wu-wei
significa deixar-se levar pelo movimento natural. Tentar evitar alguma coisa
natural é se opor aos impulsos da vida.
A maior qualidade do bambu é o vazio
interior
Se o
bambu tivesse o talo maciço, ele seria pesado, rígido, inflexível. Com isso, os
taoístas perceberam que é o vazio que garante as qualidades do bambu. O vazio é
um dos conceitos fundamentais do pensamento oriental.
Para
a maior parte das pessoas, o vazio tem um sentido negativo. Significa nulidade,
inexistência, zero. Para os orientais é o oposto. Se o bambu tem suas virtudes
por causa do caule oco, então o vazio tem um sentido positivo. O vazio é a
origem de boas qualidades, é algo que se valoriza e permite a existência das
coisas. Basta pensarmos de modo inverso. Se o elevador estiver lotado, não
podemos entrar. Se nossa mente estiver entulhada de preocupações, não podemos
pensar direito.
É
dessa forma que os sábios antigos viam o vazio. Não pela ausência, mas sim
pelas possibilidades que ele abre, pelos benefícios que ele traz. É uma visão
positiva e não negativa. Um antigo texto chinês, o Tao Te Ching, diz: "O
vaso é feito de argila, mas é o vazio que o torna útil. Abrem-se portas e
janelas nas paredes de uma casa, mas é o vazio que a torna habitável".
O
vazio é invisível. Apesar de óbvio, esse detalhe é fundamental porque mostra
que as coisas mais importantes são invisíveis. Os sábios sabem que existem
coisas mais profundas do que as aparências
Para
os mestres orientais, o vazio é universal, onipresente. Percebiam que o Sol
flutuava no céu, no vazio, que a lua flutuava no escuro da noite, no vazio.
Para os mestres orientais, "universo", "o todo" e
"vazio" são conceitos correspondentes. Tudo nasce no (e do) vazio e
tudo volta para o vazio. O mesmo vazio do bambu.
Roberto Otsu é escritor, palestrante e professor de Taoismo
e I Ching.